Ansiedade antecipatória — como superá-la?

João Gabriel Simões
6 min readMay 20, 2019

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A ansiedade é um sentimento normal que ocorre diante de situações mais ou menos estressantes, como ter de falar em público, discutir um problema no trabalho, antes de um teste, entre muitas outras situações que nos geram preocupações. Ela se torna um problema quando se intensifica e/ou permanece por um longo período de tempo, comprometendo a realização das nossas atividades cotidianas.

Por exemplo, ficar ansioso alguns dias antes do vestibular, sem deixar de realizar suas atividades cotidianas é uma coisa; agora, ficar ansioso o ano todo, não dormir direito, se alimentar mal e deixar de fazer atividades que você fazia antes é uma coisa completamente diferente. No primeiro caso, ansiedade normal e natural; no segundo, disfuncional e patológica.

Hoje irei abordar a ansiedade antecipatória, uma das “armadilhas” mais interessantes criadas pela mente humana. Esse tipo de ansiedade se caracteriza por um temor que causa exatamente o que o provoca. Por exemplo, um indivíduo que está com medo de enrubescer, ao ter de apresentar um trabalho na escola — diante do olhar de todos — está mais propenso a enrubescer nessas condições.

A ansiedade antecipatória chega a ser “cômica”, por que faz o indivíduo obter exatamente o que ele pretende evitar.

Outra “ironia” da mente humana, decorrente da ansiedade antecipatória e que é um fenômeno abordado em certos livros populares como o “segredo” é o fato de que dificilmente se obtém aquilo que se “intenciona” excessivamente. Intencionar, isto é, querer de maneira forçada gera tensão e, em muitas situações, produz o contrário do que se pretende. Esse fenômeno pode ser observado, em especial, em casos de “transtornos” sexuais, como nos mostra Viktor Frankl (1985, p 82 ):

“Quanto mais um homem procura demonstrar sua potência sexual, ou quanto mais a mulher tenta mostrar a sua capacidade de experimentar o orgasmo, menos chances de sucesso terão. O prazer é e deve permanecer efeito colateral ou produto secundário; ele será anulado e comprometido na medida em que dele se fizer um objetivo em si mesmo”.

De acordo com Frankl, a fixação em uma ideia ou intenção (ex: Não ficar vermelho ao falar em público, ter a melhor performance sexual) é chamada de hiperintenção. Além disso, quando o indivíduo está neste estado de “intenção” exagerada é comum que a sua atenção se desprenda da atividade em questão e retorne para ele próprio, fazendo-o experimentar uma espécie de “atenção excessiva ou hiper-reflexão”, quanto ao que está acontecendo em sua mente/corpo. Do ponto de vista cognitivo, pode surgir uma preocupação com a própria performance; do afetivo, o medo de falhar ou de acontecer o que mais se teme; e do fisiológico, tensão e estresse corporal.

Em síntese, a ansiedade antecipatória envolve um estado de intenção forçada, em conjunto com uma atenção excessiva dos próprios pensamentos, sentimentos e reações corporais relacionados a essa intenção. Ela remove o indivíduo do momento presente, lançando-o em um oceano de preocupações, que se endereçam, principalmente, ao que o(s) outro(s) pensa(m) dele.

Retornando ao nosso exemplo: o indivíduo que está sofrendo de ansiedade antecipatória, antes de apresentar um trabalho na escola, está com a hiperintenção de não ficar ruborizado, pois ele realmente nao quer ficar com as bochechas vermelhas na frente dos outros. Simultaneamente a essa intenção forçada é provável que uma série de pensamentos invadam a sua mente, tais como: “os outros vão rir de você se o verem ruborizar”; “eles vão achar que você é envergonhado”; “você vai ficar mais tenso do que já está” e assim por diante. Todo esse processo gera a ansiedade antecipatória, ou seja, o medo que causa exatamente o que o provoca.

E qual é a solução para isso?

Frankl (1985) propõe duas técnicas ou dois procedimentos.

1.Técnica da “desreflexão” para neutralizar a hiperintenção e a hiper-reflexão. Isto é, “transferir” o foco excessivo da atenção em si mesmo, para fora de si. A intenção excessiva e a hiper-reflexão fazem com que o indivíduo não consiga sair de si impedindo-o de se “entregar” a situação e focar em outra coisa. Ele fica corporalmente tenso; “preso” em seu “mundo interior”, ou melhor, distraído dentro de si!

Imagine que você tem que cruzar uma ponte o mais rápido possível e nas margens dessa ponte estão inúmeras pessoas chamando o seu nome e tentando te distrair. Se você para pra conversar toda vez que alguém te chama, não conseguirá atravessar a ponte a tempo. É exatamente o que acontece na “hiperintenção” e hiper-reflexão; seus pensamentos e emoções estão te chamando naquele momento, “eles” querem a sua atenção. Logo, é necessário não dar atenção a eles (des-refleti-los) e seguir firme em seu objetivo — isto é, a técnica da “desreflexão”, que substitui a tensão e a preocupação excessiva consigo mesmo, pela “entrega” e o comprometimento com a situação.

2. Técnica da intenção paradoxal para neutralizar a ansiedade antecipatória.

Ocasionalmente, um paradoxo é qualquer coisa que contradiz a opinião popular. Sendo assim, a intenção paradoxal é a determinação planejada de agir de uma certa maneira que contradiga o que se deveria estar fazendo.

Por exemplo, quando Frankl (1985) recomendava a seus pacientes com insônia, que tentassem ficar acordados o máximo possível, ao invés de tentar dormir — neutralizando assim a hiperintenção de pegar no sono, oriunda da ansiedade antecipatória. Ou seja, substituindo a intenção excessiva de adormecer pela intenção paradoxal de não adormecer. Em outras palavras, recomendando ao paciente exatamente o que ele teme ou evita.

A intenção paradoxal envolve uma certa dose de humor por parte do indivíduo frente às suas fobias, compulsões e ansiedades. Ou seja, a capacidade de se desidentificar dos conteúdos psíquicos ( que a atenção excessiva foca tão bem) e lidar com eles com humor.

Por exemplo, o caso de um jovem médico que morria de medo de “suar” na frente dos outros. Ironicamente, a sua ansiedade antecipatória o fazia suar “litros”, sempre quando a intenção e o medo de nao suar apareciam em sua mente. Diante disso, a recomendação de Frankl ( 1985) foi a de que o paciente, deliberadamente, tentasse suar o máximo possível na presença dos outros. Resultado: o paciente passou a levar isso com muito humor e em uma semana se curou de uma fobia que já durava 4 anos.

Tais técnicas não são milagrosas, mas dentro de um contexto terapêutico, realmente produzem efeitos e por isso têm sido utilizadas no tratamento de fobias e transtornos obsessivos-compulsivos, que estejam acompanhados de ansiedade antecipatória.

Conclusão:

As técnicas citadas nessa breve reflexão envolvem a capacidade humana de auto-distanciamento, habilidade que nos permite entender que durante a vida vamos acumulando uma série de “tranqueiras”: ideias, desejos, crenças e comportamentos que não “são” inerentemente nossos, mas que por falta de auto-distanciamento e lucidez, os adotamos como tais. Logo é preciso se livrar daquilo que não diz respeito a nossa natureza, para realmente nos conhecermos. Ou seja, se livrar de preconceitos, medos, mecanismos de defesa do ego e distorções cognitivas que nos fazem, muitas vezes, perceber a realidade de forma adulterada e negativa, gerando, por decorrência, sofrimento psíquico.

Enfim, é Platão (2001) que nos mostra, por meio de um diálogo entre Sócrates e Glauco, que a “alma”, após ter sido resgatada do fundo do mar ( da ignorância) está irreconhecível. Diz ele que é necessário se livrar das pedras, conchas, algas e crostas atadas a ela para ver a sua verdadeira forma — natureza.

Por: João Gabriel Simões, Psicólogo.

Instagram profissional: @psicologo.joaosimoes
Email: psicologo.jgs@gmail.com

Refêrencias:

Frankl, V. E. (1985). Em busca de sentido(W. Schlupp, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.

PLATÃO. A república. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001

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