João Gabriel Simões
4 min readMar 28, 2022

Como trazer a mente para o momento Presente?

Muito se fala de atenção plena, mindfulness, meditação, mas quando chega a hora de focar a mente no momento presente parece quase impossível, não é? Isso acontece, por causa da própria natureza da mente humana que, dito de forma super simplificada, se fundamenta em dois processos:

  1. Retenção. Pense nas memórias de seu aniversário de 15 anos, no seu primeiro amor, no sorriso de um ente querido — tudo isso foi retido, gravado em sua mente, por meio desse processo. A retenção se relaciona com o nosso passado.
  2. Antecipação. Pense no que você fará na próxima sexta-feira, o que fará quando se formar ou tirar férias — tudo isso se relaciona com o porvir, pois ainda não aconteceu. A antecipação se relaciona com o nosso futuro.

Diante disso, podemos dizer que a mente humana passa, quase que o tempo todo, oscilando entre esses dois pólos: o da retenção e o da antecipação. É como uma “gangorra”, ora vai para o lado da retenção (passado) ora vai para o lado da antecipação (futuro) e dificilmente fica equilibrada por muito tempo, de modo a manter os dois lados da gangorra alinhados. Quando isso ocorre, diríamos que a pessoa se encontra focada no momento presente, em estado de mindfulness. Neste estado não estamos possuídos por nenhuma memória nem enredados com projeções futuras, estamos apenas presentes. Aliás, este estado de presença não é, necessariamente, de ausência de pensamento, mas de fluidez e consciência. Esse estado pode ser experimentado ao observar um pôr do sol, uma obra de arte, ao desenhar, dançar, meditar etc.

Annunciation — Leonardo da Vinci

O presente — o aqui e agora — é onde passado e futuro se encontram, é onde os dois lados da gangorra se equalizam Quando focamos no presente, nos colocamos numa posição existencial de fluência e espontaneidade, diferente do que ocorre quando permanecemos muito tempo em um dos lados da gangorra, isto é, quando nos “cristalizamos” no passado ou futuro.

Cristalizar-se no polo do passado (retenção) é ver a vida através das lentes dos nossos traumas, cargas psicológicas e preconceitos. Já cristalizar-se no polo do futuro (antecipação) é estar sempre envolto em uma atmosfera de ansiedade e inquietação. A mente presa no passado nos faz remoer acontecimentos, se lamentar, sentir raiva e pena de nós mesmos. Em contrapartida, a mente presa no futuro nos faz antecipar mil coisas, temer o que vai acontecer e, muitas vezes, pensar no pior. Tanto numa situação como na outra nos tornamos ausentes da realidade e desconectados do aqui e agora. Corpo presente, mas a mente perdida em outro lugar.

Um dos insights da psicologia fenomenológica é pensar os problemas psicológicos, como processos decorrentes da nossa relação com a espacialidade e a temporalidade. Neste sentido, poderíamos dizer que a depressão se relaciona com o excesso de passado, ao passo que a ansiedade com excesso de futuro. Tanto o deprimido como o ansioso têm dificuldade de “habitar” o momento presente. O primeiro por estar enredado no polo da retenção e o segundo no da antecipação.

Portanto, retornando ao início do texto, focar a mente no momento presente, implica em estabilizar a gangorra, em alcançar um ponto de equilíbrio, no qual nem os apelos do passado nem os do futuro nos tirem completamente do momento presente. É evidente que um trabalho de autoconhecimento (que pode ser facilitado por um psicólogo, psiquiatra ou terapeuta) é necessário para compreender esses apelos e desfazer certas cristalizações, contudo, alguns exercícios de atenção plena já podem nos ajudar a ir se habituando com o momento presente, exercícios que tragam a nossa atenção para o aqui e agora e neutralizem o condicionamento de estacionar no passado ou correr para o futuro.

Um desse exercícios é simplesmente prestar atenção na própria respiração. Encontrar uma postura confortável e focar a atenção no ar entrando pelas narinas, inflando os pulmões, dilatando o abdômen, e depois saindo suavemente. Sentir seu corpo durante a inspiração e expiração sem forçar nada, sem esperar qualquer resultado, apenas estando presente durante esse processo. E toda hora que um pensamento aparecer, simplesmente não dar atenção a ele e retornar o foco para a respiração. Esse exercício, aparentemente singelo, pode ser praticado quase em qualquer lugar, por exemplo: sentado no ônibus, na fila do mercado, antes de uma reunião etc. Sem bem realizado, bastam 3 minutos para serenizar os pensamentos e sentimentos (equilibrar a gangorra) e trazer mais fluidez mental para o seu dia a dia.

Lembrando que as práticas de atenção plena ou mindfulness, abordadas na psicologia, não visam impedir a pessoa de revisitar o seu passado (retenção) e planejar o seu futuro ( antecipação) — até por que esses movimentos são necessário para o funcionamento saudável da mente — mas sim diminuir a cristalização nesses polos e a consequente perda da fluidez mental. Portanto, tão logo mergulhemos no polo do passado ou no do futuro, essas práticas contribuem para nos trazer para a superfície do momento presente, “pegar ar”, e continuar “nadando” nos afazeres do cotidiano.

Por: João Gabriel Simões

Instagram: @psicologo.joaosimoes

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