Dicotomia do Controle - Pare de Sofrer desnecessariamente!

Introdução:

Grande parte do sofrimento humano surge quando nós tentamos controlar algo que não depende de nós. Quando acreditamos que temos controle sobre coisas, que na verdade, nós não temos. Por exemplo, se você já experimentou um amor não correspondido, sabe que por mais que você tente, não dá para controlar o “gostar” de outra pessoa. Ela não vai se apaixonar por você só por que você gosta dela. Isso está fora do nosso controle.

Diante disso, reconhecer na nossa vida cotidiana o que depende e o que não depende de nós pode nos libertar de uma grande carga de sofrimento desnecessário.

E é isso que aprendemos com a filosofia Estóica — filosofia greco-romana que, hoje em dia, está ajudado muitas pessoas a terem mais resiliência, força de vontade e equilibrio emocional. Conforme essa filosofia, existe uma prática que pode nos ajudar a parar de sofrer sem necessidade.

Nos moldes modernos, pois o estoicismo é uma filosofia que surgiu no século 3 antes da nossa era, nós podemos chamar essa prática de dicotomia do controle.

Dicotomia do Controle

Dicotomia significa dividir em duas partes. É uma bifrucação que, portanto, implica na distinção de dois elementos.

Sendo assim, a dicotomia do controle envolve, basicamente, distinguir, diante daquilo que acontece conosco, duas categorias: aquilo que temos controle e aquilo que não temos; em outras palavras, aquilo que está sob o nosso poder e depende de nós e aquilo que está fora do nosso raio de ação e não depende de nós.

Metáfora do Arqueiro

Podemos ilustrar isso com a metáfora do arqueiro apresentado por Cícero, filósofo romano.

Imagine um arqueiro que está tentando acertar o alvo, um soldado inimigo. O que está sob o controle dele? A sua prática e experiência, escolher as melhores flechas, e dar o melhor de si ao disparar a flecha — e é isso que ele controla. Depois da flecha ser lançada, ela está fora de seu controle. O soldado inimigo pode se esquivar da flecha, uma rajada de vento pode desviá-la. Ou seja, o resultado final não depende dele. Sendo assim, se a gente fosse um arqueiro estóico a gente até poderia dizer que gostaria de acertar o alvo, mas jamais depositaríamos as nossas expectativas nesse objetivo. Pois, atingir o alvo está fora do nosso controle. O que está dentro do nosso raio de ação é atirármos da melhor maneira possível e nada além disso.

Agora, trazendo esse conhecimento pra prática, vamos ver como funcionaria a aplicação da dicotomia do controle em dois contextos cotidianos. O primeiro em uma entrevista de emprego e o segundo em uma questão amorosa.

Entrevista de emprego — Dicotomia do controle

Em uma entrevista de emprego o que depende de nós, por exemplo, é se preparar adequadamente para a entrevista, ir bem vestido, cuidar para não se atrasar e falar sobre nosso currículo da melhor forma possível. Agora, o que não depende de nós são todas as outras coisas, como o temperamento do entrevistador, se ele vai ou não com a nossa cara, o potencial das outras pessoas que já foram e ainda serão entrevistas etc.

Diante disso, o resultado da entrevista não depende inteiramente de nós, o que depende de nós é dar o nosso melhor dentro daquilo que está sob o nosso raio de ação e nada mais. Por isso, depositar as nossas expectativas e autoestima, unicamente em passar na entrevista é pedir pra sofrer desnecessariamente, pois passar está fora da nossa zona de controle.

Relacionamento — Dicotomia do controle

Para expandir ainda mais esse entendimento vamos ver como podemos aplicar a dicotomia do controle para sofrer menos com o amor.

Todos nós queremos ser amados, não é mesmo? Mas se seremos ou não amados não depende de nós. Cabe ao outro decidir se nos ama ou não nos ama.

Lembre-se que corpos até podem ser comprados, mas sentimentos não! Em face disso, aplicando a dicotomia do controle neste contexto, o que cabe a nós é focar naquilo que controlamos (atitude), isto é, buscar ser uma pessoa amável, afetuosa e se fazer presente a esta ou aquela pessoa, a qual estamos interessados. Agora, se o outro vai decidir ficar conosco ou não, isso está fora da nossa alçada.

Em suma, o que nos compete aqui é cultivar o nosso jardim, agora se as borboletas chegarão, permaneceram ou irão embora — isso não nos compete, pois está fora da nossa zona de controle.

Atitudes e Opiniões

A vista do que foi dito, você já deve ter percebido que, aquilo que essencialmente controlamos, é a nossa atitude. É como reagimos às situações. Aliás, para os estoicos — e isso é muito importante — as nossas atitudes decorrem das nossas opiniões. O que que é uma opinião? É o que pensamos sobre as coisas, a nossa interpretação ou julgamento delas. Se a minha opinião me diz que eu posso forçar alguém que não gosta de mim a me amar, a minha atitude vai ser uma. Se a minha opinião me diz que está fora do meu controle se o outro me ama ou não me ama, a minha atitude vai ser outra. É por isso que para os estoicos o que nós, fundamentalmente, controlamos são as nossas opiniões e atitudes.

Disse Marco Aurélio (Imperador romano e filósofo estoico)

“ Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão te perturbando, mas o seu próprio julgamento (opinião) sobre elas. E está em seu poder anular este julgamento agora.”

Uma ressalva

Não poderiamos deixar de notar que nossos julgamentos ou opiniões sobre as coisas podem — sim — ser influenciadas por outras pessoas, especialmente, no mundo atual das redes sociais. Todavia, elas não deixam de ser as nossas opiniões. Se você decide que o racismo é uma boa coisa, você pode ter sido influenciado por outra pessoa, ok, mas no final das contas é a sua opinião e você é responsável por ela. Se você pondera e reflete sobre algo e diz: é isso que eu acho certo, é isso que eu acredito — isso é a sua opinião e, apesar de ela poder ter sido influenciada em maior ou menor escala por outrém, você é responsável por ela. Ela está dentro da sua zona de controle.

Compreensão mais profunda da Dicotomia do Controle

Posto isso, podemos formular a dicotomia do controle, de forma mais técnica, da seguinte maneira:

Por um lado, algumas coisas estão sob o nosso controle (embora, possamos receber alguma influência externa — como no caso das nossas opiniões) e, por outro, estão as coisas que, apesar de podermos exercer certa influência (por exemplo, no desejo que o outro possa ter por nós), não controlamos, que estão fora da nossa zona de controle.

Mudança de perspectiva

Enfim, quando internalizamos a dicotomia do controle, a nossa perspectiva se modifica de duas maneiras:

Em primeiro lugar, paramos de perder tempo e energia tentando controlar o que está fora do nosso raio de ação e, consequentemente, aprendemos a aceitar melhor aquilo que não depende de nós. Com isso nos libertamos do peso de toneladas de preocupações desnecessárias.

Em segundo lugar, quando somos capazes de determinar o que está sob nosso controle, podemos focar as nossas energias nisso. Por decorrência, nos tornamos mais eficazes e efetivmos naquilo que fazemos.

Considerações finais

Epicteto, um dos principais filósofos estóicos, já dizia: se focarmos os nossos esforços naquilo que nos compete, isto é, na nossa “zona de governabilidade”, experimentaremos mais paz de espírito e nos sentiremos mais senhores de si e menos carregados de inseguranças e paranoias que surgem quando queremos controlar o incontrolável.

Em contrapartida, se escolhermos focar naquilo que está fora do nosso controle, provavelmente, vamos experimentar mais sentimentos de frustração, revolta e tristeza. Ou seja, mais sofrimento.

Portanto, na proxima vez que você estiver em uma situação desafiadora, lembre-se da dicotomia do controle.

Até mais!

Referências

VALENTE, Pe. Milton. A ética estoica em Cícero. EDUCS, 1984. p, 65 e ss.

O Manual de Epicteto

Philosophy As a Way of Life — Pierre Hadot