Nishida Kitaro — A Percepção do Belo (Da arte a não dualidade)

João Gabriel Simões
4 min readJun 2, 2020

--

Quem nunca se sentiu maravilhado, estupefato, transportado para outra realidade, ao perceber uma obra de arte, um pôr do sol, a harmonia de um gesto. É esse o sentimento que, em geral, surge na percepção da beleza.

Para Nishida Kitaro, filósofo japonês, a percepção do belo pode ser entendida pela expressão japonesa MU-GA: que significa não ego, sair de si, êxtase. Ou seja, quando o belo é percebido, a nossa mente tagarela é silenciada. O nosso ego, com suas memórias e expectativas é deixado momentaneamente em suspensão. O que permanece agora, nos breves segundos de percepção do belo, é uma conexão profunda que, de certo modo, unifica sujeito e objeto.

Não sou eu que observa a beleza do pôr do sol, mas é o pôr do sol, com todo seu esplendor, que observa a si mesmo, através de mim.

Esta vivência de estar fora de si, de ser absorvido naquilo que se percebe é o elemento essencial na percepção da beleza. Sem esse aspecto, independente do prazer que se experimente, não se dá a percepção do belo.

Diz Nishida: se desejamos alcançar uma percepção autêntica da beleza, é preciso que encaremos a realidade, desde um estado Mu-ga, de não eu, fora de si. Esse estado não é alcançado pelo pensamento e seu raciocínio lógico, mas sim pela intuição. Por que quando escutamos o solilóquio de Hamlet, sentimos uma espécie de verdade e simpatizamos cada vez mais com ele? Não é por que suas palavras estão de acordo com as teorias psicológicas que acessamos pelo pensamento, mas sim porque tocam nas profundezas de nossos corações. É intuitivo, é inefável, é belo.

A experiência do belo não é mero capricho de poetas. É, de acordo com Nishida, influenciado pela tradição Zen Budista do qual era simpatizante, a libertação, nem que seja por um segundo, do mundo das distinções e discriminações, que ocorrem, por sua vez, em um estado de mente dual. É a saída da dualidade.

A dualidade é o estado mental (psicológico) padrão dos seres humanos. Ela nos faz perceber o mundo da seguinte maneira: sujeito por um lado, objeto pelo outro. Por exemplo, quando eu (sujeito) observo o copo de café (objeto), que agora está na minha mesa, eu tenho uma experiência dual. Eu sou uma coisa e o copo de café é outra — isso é dualidade. Sendo assim, transcender a dualidade, é transcender essa dicotomia, que nos torna “ilhados” em nosso ego e, de certa maneira, separados dos outros e do universo.

Nesse sentido, para Nishida a experiência do belo é da mesma índole da religiosidade, somente diferindo no grau de profundidade e grandeza desta. O mu-ga ( a saída de si) da beleza é momentânea, já a da religião é perene — pelo menos no que tange ao objetivo, ao intento da religiosidade.

A tão almejada perenidade do mu-ga, dessa experiência de não eu, que transcende a dualidade é chamada no zen budismo de satori. E poderia ser dito que a experiência do belo, em certo sentido, poderia ser considerada como um vislumbre do Satori.

Enfim, aquele que é capaz de captar e apreciar a beleza da natureza, tem muito mais facilidade para entender a religiosidade, especialmente a do budismo. É por isso que a perda do sentimento de reverência pela natureza, tão comum ao cidadão moderno é um dos sintomas da incapacidade de se perceber o belo, e indiretamente da inaptidão de se compreender a verdadeira religiosidade.

Como disse Suzuki, mestre Zen que teve contato com Nishida: A vida moderna parece se afastar cada vez mais da natureza e, intimamente ligado a esse fato, parece que estamos perdendo o sentimento de reverência à ela.

E isso pode ser facilmente observado na feiura, na falta de profundidade e tato de muitos centros urbanos, que refletem, entre muitas outras coisas, uma grande dificuldade, por parte de seus habitantes e administradores, de se perceber o belo.

Enfim, dizem que uma árvore é conhecida pelo seu fruto, nesse sentido, a arte tradicional japonesa, em oposição a feiura de alguns setores da arte moderna, é a expressão viva da capacidade da percepção do belo de seus artistas, pois para criar uma obra verdadeiramente bela é necessário, antes de mais nada, perceber o belo.

No meu canal do Youtube vocês podem ver um video-animação desse texto. Apoveitem, também, para se inscrever no canal para mais conteúdo!

Instagram profissional: @psicologo.joaosimoes
Email: psicologo.jgs@gmail.com

Fonte: Pensar-Desde-La-Nada-Kitaro-Nishida

--

--

João Gabriel Simões
João Gabriel Simões

No responses yet