O mistério do Autoconhecimento: quem é você além de sua personalidade?
Por insegurança, medo, isolamento, necessidade de pertença e carência tendemos a nos identificar com algo para nos sentirmos completos. Nos identificamos com estilos de vida (ex: vegano, progressista, conservador, ambientalista etc.), religiões, partidos políticos, profissões, times de futebol etc. Quando tomo essas identificações como partes inerentes do meu ser, qualquer ataque a elas se torna um ataque ao meu próprio ser. Se alguém diz que minha orientação política não é boa, o que sofre em mim é a minha autoimagem, isto é, um conjunto de conceitos com os quais me identifiquei. Não é — e isso é libertador — meu “ser”, minha “consciência” que sofre, mas a “imagem” que formei para mim mesmo.
Como assim?
Normalmente, nosso autoconhecimento só vai até as “primeiras páginas”. Não queremos saber quem realmente somos, mas tentamos ser aquilo que vai trazer algum benefício para nós. É assim que entramos no “jogo da autoimagem”, criando, conservando e destruindo as “máscaras”, as “personas” que nossa consciência utiliza para se expressar no “baile de máscaras” da vida cotidiana, no qual, em geral, “cada um é o outro e ninguém é si mesmo”. Heidegger chamava isso de inautenticidade.
A famosa pergunta da esfinge: “quem sou eu?”. E o princípio do templo de Apolo em Delfos: “conhece-te a ti mesmo” (gnōthi seauton), não se referem a “máscara”, a nossa autoimagem, mas sim àquilo que “veste” ela. Quem é você além de suas identificações? Quem é você além de seus papéis sociais? Quem é você além de suas sensações, sentimentos e pensamentos? Quem é aquele ou aquilo que veste a sua personalidade?
Essa reflexão nos leva ao “Mistério dos Mistérios”, ou seja, para “algo” inefável, inescrutável — que somos nós. Por mais que a filosofia, a religião e a “espiritualidade” tentem fornecer respostas para isso ( aliás, esse é o primeiro estágio para direcionar nossa atenção para o “Mistério”, chamado no esoterismo de “mistérios menores”), cada um deve entrar nele com suas próprias pernas. Ninguém fará essa auto investigaçã por você!
Mas, não espere reconhecimento muito menos dinheiro por se empenhar na investigação de si. Ao contrário, isso pode te tornar menos interessado nas atividades que a maioria das pessoas curte. Pode te transformar em uma pessoa “estranha” aos olhos da massa. Talvez, seja por isso que essa auto investigação — tão glorificada pela filosofia clássica e os sábios do Advaita— está se tornando cada vez mais rara.
Mas, se mesmo assim você está disposto a “mergulhar em si”, se você sente um impulso forte dentro de você te levando para isso, seja bem vindo ao grupo daqueles que estão aptos a “cavalgar o tigre” (1).
(1) A metáfora de “cavalgar o tigre” é um provérbio oriental que simboliza a complexidade de permanecer em uma situação desafiadora, sem a opção de recuar, pois isso resultaria em enfrentar as consequências, como ser devorado pelo tigre. Essa metáfora também se relaciona com concepções cíclicas da história, como a romana e hindu. Segundo esta última, estamos atualmente na Kali Yuga (idade das trevas), marcada pela dissolução das forças individuais e coletivas que antes estavam unidas por um poder espiritual superior. Na Kali Yuga, a busca genuina pelo autoconhecimento é dificultada por diversas distrações, tornando-a uma tarefa desafiadora, comparável a cavalgar o tigre.
Por: João Gabriel Simões (Psicólogo)
Instagram: @joao_gabriel_simoes