Sonhos lúcidos — O que são e como tê-los?
Normalmente, a maior parte dos nossos sonhos são confusos, sem pé nem cabeça e fragmentados, todavia, há quem tenha sonhos lúcidos e consiga controlar os acontecimentos oníricos de forma racional e consciente, exatamente como o faz enquanto acordado.
Em geral, no sonho “comum” desempenhamos um papel passivo, no qual os eventos se desenrolam sem lógica aparente, desprovidos de concatenação temporal e sem a mesma clareza e nitidez da nossa percepção em estado de vigília (acordado). Por outro lado — no sonho lúcido — desempenhamos um papel ativo, temos consciência de que estamos sonhando e percebemos os acontecimentos que “ali” sucedem de forma nítida e linear, podendo agir deliberadamente sobre eles . Ou seja, há linearidade temporal, percepção precisa, juízo crítico e consciência de se estar sonhando.
Mais quais benefícios os sonhos lúcidos podem nos trazer ? Antes disso vamos entender o que são os “sonhos” e para que eles servem, tá certo?
De forma “nua” e “crua”, pode-se dizer que os sonhos são séries de pensamentos, “imagens” e sensações, mais ou menos realistas, que ocorrem na mente humana durante o sono. Seu conteúdo provém, principalmente, das nossas memórias, que por sua vez, se originam nas informações recebidas pelos nossos sentidos.
De acordo com as Ciências cognitvas, considera-se que os sonhos ajudam na consolidação de memórias, assim como, na limpeza “cerebral” que é feita durante o sono, a fim de preparar o cérebro para mais um dia. Entretanto, os sonhos são muito mais do que isso.
Freud
Para Freud (2000), os sonhos exprimem “desejos” inconscientes, sendo a análise dos sonhos uma das vias de acesso aos conteúdos psíquicos recalcados, esquecidos e em latência no inconsciente.
Jung
Já para Jung (2000), os sonhos também dizem respeito ao que ele chama de “inconsciente coletivo” — padrões de comportamentos ancestrais, “arquétipos” — que expressam-se nos sonhos através de ”símbolos” e quando compreendidos, fornecem “insights” e orientação para uma “vida psíquica” mais saudável.
Sabendo que os sonhos são essenciais para a saúde corporal, que eles também podem nos auxiliar no autoconhecimento, bem como na “cura” de transtornos psicológicos, o que mais os sonhos — e agora enfatizo os sonhos lúcidos — podem fazer por nós?
Pois bem, de acordo com Stephen LaBerge (1990), existem uma série de benefícios, tais como: o contato direto e consciente com partes “profundas” da nossa mente; desenvolvimento da imaginação e criatividade; exploração científica; lazer e a possibilidade de ensaiar a tomada de decisões. Por exemplo, por meio de sonhos relativamente lúcidos, Friedrich August Kekulé — químico alemão do século XIX — descobriu a estrutura da molécula do benzeno; Elias Howe, inventor americano, Inventou a máquina de costura e Mozart e Beethoven obtiveram inspiração.
Não é de hoje que se conhecem os benefícios dos sonhos lúcidos.
Plotino
Para Plotino (filósofo grego do século I), esse tipo de sonho fazia parte do processo de ascese espiritual que era experienciado pela alma, quando esta buscava a sua fonte, o espírito — como exemplifica uma das interpretações simbólicas do mito grego da Psiquê (alma) em busca do amor de Eros (espírito).
Tibet e a Yoga dos Sonhos
Saindo da Grécia e indo para o Tibet, temos a Yoga dos sonhos, prática desenvolvida por monges ( da religião do “bon”) com o objetivo, não só de possibilitar ao estudante o domínio do sonho lúcido, mas também, como forma de desenvolvimento “interior”, na medida em que, o aumento da lucidez nos sonhos, acarreta o aumento da lucidez na vigília e vice-versa.
Nesse sentido, segundo Tenzin Wangyal Rinpoche (1998, p 66):
“Os sonhos surgem dos mesmos traços kármicos que governam as nossas experiências de vigília. Se estamos muito distraídos para penetrar nas fantasias e ilusões da mente em movimento durante o dia, provavelmente estaremos presos às mesmas limitações no sonho. Isso é “não estar consciente do sonho” .
O sonho lúcido, quer seja no contexto religioso, quer seja no filosófico ou científico, implica em autoconhecimento e no desenvolvimento de “potencialidades” latentes do ser humano. Embora se saiba pouco sobre seus mecanismos, muito se tem escrito sobre técnicas e procedimentos para provocá-lo.
Técnicas
Segundo LaBerge (1990), entre outros pesquisadores, uma das técnicas mais efetivas envolve a criação de um diário de sonhos — no qual o interessado passará a relatar seus sonhos em linhas gerais — para em seguida descobrir, a partir dos relatos, o “elemento” que se repete neles, por exemplo: a percepção de “água”, a cena de uma casa, o pôr do sol etc.
Tendo descoberto o “elemento” que se repete, o interessado, enquanto estiver acordado e sempre que perceber o “elemento” (suponhamos aqui que seja o “pôr do sol”), fará a seguinte pergunta a si mesmo: “Estou sonhando ou acordado? Tal atitude pode produzir, após muitas repetições, um “gatilho” metal, um condicionamento que se repetirá enquanto o interessado estiver sonhando. Dessa forma, ao sonhar novamente com o pôr do sol, a “pergunta” pode fazer com que o sonhador se torne consciente “dentro” do sonho.
Enfim, na maior parte dos casos, quem tem um sonho lúcido pela primeira vez fica surpreso e empolgado diante da sensação única de liberdade. É como se a pessoa tivesse saído da “matrix”, como se uma nova parte de seu ser fosse descoberta.
Autoconhecimento e Renovação Íntima
Ter sonhos lúcidos não é tão simples, pois envolve treino e principalmente mudanças íntimas. Como os tibetanos enfatizam, muito mais do que conhecer técnicas é necessário se tornar consciente na vigília, isso significa conhecer os “truques” da mente aqui e agora, compreender a nossa natureza “dispersiva” e desenvolver a concentração e a capacidade contemplativa.
Por: João Gabriel Simões, Psicólogo.
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Refêrencias:
LABERGE, Stephen. Sonhos Lúcidos. São Paulo: Siciliano, 1990.
Rinpoche, T.W. (1998). The Tibetan Yogas of Dream and Sleep. New York: Snow Lion Publications.
FREUD, S.(2000). A Interpretação dos Sonhos. Col. Obras Completas de Freud, Rio de Janeiro: Imago
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000, vol. IX/1.