Terapeutas demonizando a Psicanálise? Ciência X Pseudociência!
Tenho visto algumas pessoas da área das TCCs (Terapias Cognitivo-Comportamentais) empenhadas em demonizar — o que é diferente de criticar — a psicanálise sem sequer ler uma página do Freud. Não é de hoje que a psicanálise e outras formas terapêuticas são acusadas de pseudociência. Nada contra esse debate; no entanto, quando é usado como ferramenta para invalidar certos saberes em bloco, nos deparamos com algo bastante questionável.
Atualmente, é meio que um modismo se munir de artigos científicos para bater o martelo sobre o que é ou não ciência, o que é ou não “verdadeiro”. Além de render ibope nas redes sociais, não raro, gera uma sensação de poder e superioridade, algo que o ego humano adora. Quem não gosta de estar certo e ser visto como um representante da verdade?
Com efeito, me arisco a dizer que, em muitos casos, a disputa entre ciência e pseudociência é, no campo do conhecimento, uma repetição da disputa entre ortodoxia e heterodoxia no terreno religioso. Entre os “crentes” no saber dominante e os hereges desviantes.
É curioso notar nessa disputa como os papéis eventualmente se invertem! Por exemplo, a ideia de que os continentes do planeta se movem ao longo do tempo já foi rotulada como pseudocientífica, ao passo que o movimento eugenista já foi considerado científico. Hoje em dia, essa situação se inverteu, com a primeira sendo reconhecida como científica e a segunda como pseudociência.
Ademais, o que muitas vezes passa despercebido por aqueles que “enchem a boca” para acusar o trabalho dos outros de pseudociência, é que os critérios que muitos utilizam para determinar se algo é científico ou pseudocientífico são puramente filosóficos. Provêm da “cabeça” de uma ou mais pessoas empenhadas em fazer filosofia da ciência (ex: os critérios propostos por Sven Ove Hansson — filósofo sueco).
Diante disso, podemos indagar: Quais são as evidências de que os critérios definidos pelo filósofo X ou Y são os melhores? E se são melhores, quais são os critérios que definem o que é melhor? Conseguem perceber como isso nos afasta da ciência e nos aproxima da filosofia?
No final das contas, tais critérios representam uma perspectiva entre outras. E tentar absolutizar qualquer perspectiva, sem buscar compreender as demais apropriadamente, é cair no dogmatismo, que é a antítese da ciência.
Aliás, a elaboração de hipóteses, o “design” de estudos científicos, a acumulação de dados, bem como sua interpretação não acontecem no vácuo. Ocorrem dentro de um paradigma, de uma forma de fazer ciência, ou seja, dentro de um “Olhar” específico, que não é nada neutro como muitos, ingenuamente, acreditam ser.
A depender do meu “olhar”, posso enxergar uma coisa ou outra.
Observe a imagem abaixo:
É um pato ou um coelho? Na verdade, é ambas as coisas, vistas por dois olhares diferentes. Se eu visse apenas o coelho, seria justificável eu absolutizar minha perspectiva e combater o ponto de vista daqueles que só veem o pato, rotulando-os de pseudocientíficos ou irracionais?
Um antídoto para esse viés dogmático é compreender que podem existir diversas formas de fazer ciência e não uma só. Goethe percebeu isso muito bem ao demonstrar que a teoria das cores de Newton não era a única maneira de compreender as cores cientificamente, mas apenas uma entre outras. Tanto é verdade que o próprio Goethe desenvolveu sua própria teoria sobre as cores.
Enfim, a falta de conhecimento filosófico somada à aversão inconfessável a determinados campos de saber (ex: psicanálise, fenomenologia, medicina tradicional chinesa, parapsicologia) pode ser uma das principais causas dessa “cruzada cientificista”. Daí a importância do estudo da filosofia e do conhecimento dos próprios afetos por parte dos psicólogos e cientistas, para não caírem em modos de pensar “quadrados” e inflexíveis, incompatíveis com o espírito científico.
Penso que em um futuro, não sei se próximo ou distante, teremos vários modelos científicos, tais como diferentes “olhares”, coexistindo como “ferramentas” para extrair diferentes conhecimentos e aplicações da “realidade”. Ou seja, usando o simbolismo de Heidegger, teremos várias “clareiras” na “floresta escura” da ignorância, e não apenas uma, como usualmente somos condicionados a crer.
Referências:
Stop Using the Word Pseudoscience — Katie L. Burke
Defining pseudo-science — Sven Ove Hansson
Por: João Gabriel Simões (Psicólogo)
Instagram: @joao_gabriel_simoes