Vazio existencial — E quando a vida não tem mais sentido?

João Gabriel Simões
5 min readMay 17, 2019

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Domingo à noite, tempo chuvoso e um calor de “matar”; sentado na sacada de um apartamento mesquinho, “quadrado” como a mentalidade de muita gente, fitando, por entre as folhas de outono que o vento sopra, pra lá e pra cá, pessoas, seres humanos que mais parecem como folhas também e eis que me surge um pensamento — “qual é o sentido desse corre e corre? Qual é o sentido desse universo? Qual é o sentido da minha vida? Tudo parece vazio, tudo parece em vão…

Tal pensamento é mais comum do que se imagina e reflete o que Viktor Frankl ( 1985 ) chama de vácuo existencial, isto é, a neurose que acomete muitos seres humanos nesse início de século XXI. O vácuo ou vazio existencial se caracteriza pela ausência de consciência de um sentido de vida, de um propósito ou ideal que valha a pena viver. Como diria Nietzsche (2005), é a ausência de um “porquê” para viver.

Esse fenômeno, embora seja mais frequente entre desempregados, aposentados, idosos e pessoas que passaram por algum tipo de perda ou experiência traumática, se encontra generalizado. Pode-se dizer que o “vazio existencial” e a falta de sentido, em maior ou menor escala, já constituem um traço marcante da mentalidade contemporânea.

E qual é a razão disso?

A partir da “crença” em uma concepção “evolucionista” linear, que resulta na ideia de que somos mais evoluídos hoje, em todos os aspectos, do que nossos antepassados humanos, considera-se que o que anteriormente dava sentido ao ser humano, tais como as religiões, tradições e cosmogonias, foi ultrapassado. A ciência nos ”libertou” dessas ilusões e trouxe o progresso, cuja tecnologia é o seu grande testemunho.

Embora, tal concepção seja, hoje em dia, bem questionável, o que veio “de carona” junto com a revolução industrial e a dissolução das “tradições” foram filosofias reducionistas, tal como o “niilismo” negativo, um “viés” que considera a realidade como um grande “vazio” — estamos “soltos” em um universo que surgiu por acaso, no qual nada tem sentido em si mesmo, nem mesmo nós mesmos, aliás, somos apenas poeira cósmica, que acidentalmente aprendeu a pensar. Não cabe abordar nesse artigo se isso é verdade ou não, nem tampouco mostrar os vários tipos de niilismo; todavia, vale assinalar que essa “maneira de ver a vida” não é das melhores.

De acordo com Frankl (1985), as tradições que nos serviam de suporte, que proporcionavam sentidos de vida e proteção psicológica, estão cada vez mais enfraquecidas, de modo que as pessoas não sabem mais o que se “deve fazer”, qual caminho seguir, o que priorizar na vida. Em suma, se sentem cada dia mais perdidas.

O que dará sentido às nossas vidas, agora que “deus” ou o “ser” — o princípio metafísico que, como a raiz de uma árvore, dava sustentação e sentido as instituições sociais ocidentais — está “morto” ou fora do palco das ideias dominantes? Tal era a indagação que fez Dostoievski (2004) proclamar, não com alegria: “se deus está morto, tudo é permitido”. E se tudo é permitido, até mesmo filosofias que neguem quaisquer sentidos tem, paradoxalmente, o seu “sentido” de ser.

Enfim, o vácuo existencial tem suas principais expressões no tédio, na apatia e desmotivação, entretanto, ele pode vestir algumas máscaras. Às vezes, a falta de sentido pode ser compensada por uma vontade de poder — acumular dinheiro, compulsivamente, por exemplo. Outra máscara é a vontade de prazer, pela qual a busca de satisfação sexual ou química (uso de drogas), se torna o “norte” da vida de um indivíduo. No frigir dos ovos, essas compensações ou máscaras apenas “adiam” o enfrentamento com a total falta de sentido existencial que muitos vivenciam ( VIKTOR FRANKL, 1985).

Como superar o vazio existencial e dotar a vida de sentido?

Pois bem, agora que já vimos que o vazio existencial implica em uma sensação de falta de sentido, passível de ser mascarada por determinados comportamentos, agravada por fatores socioculturais — como a dissolução das tradições e a proliferação de uma visão de mundo niilista — cabe agora entendermos como superar essa condição, como descobrir o nosso sentido de vida e dotar a vida de significado.

Victor Frankl, foi um médico e psicólogo judeu que passou alguns anos em campos de concentração. Em meio ao sofrimento ele observou algo muito interessante: as pessoas que viviam mais eram aquelas que tinham um sentido, um “porquê” para viver. Ou seja, algo que dava sentido às suas ações presentes e as impulsionava para o futuro.

Uma meta, como encontrar o ser amado; um objetivo, como escrever um livro; um valor, como a honestidade; um ideal de vida, tal como o platônico ou o cristão — podem dotar os atos presentes de significado e constituir um sentido de vida.

Para Frankl (1985), o sentido de vida difere de pessoa para a pessoa e de momento a momento, por isso ele é exclusivo e específico. Portanto, o mais importante não é o nosso sentido de vida, de modo geral, mas sim, o sentido específico de nossa vida em um dado momento. Por exemplo, o que dá significado e sentido para os nossos atos no aqui e agora? Estamos satisfeitos com a direção que estamos seguindo?

Preencher o vazio existencial com significado pode ser feito por meio de duas atitudes interrelacionadas:

  1. Indo até as profundezas do nosso ser e descobrindo ali o que nos move, o que nos estimula a viver — nossos valores e ideais. A chave para acessar isso é a seguinte: “o que é que me move”?
  2. Percebendo que o meio cultural, econômico e social que nós habitamos não nos determina. Mesmo que não seja possível mudar uma situação, podemos sempre escolher a nossa atitude frente a ela.

Como notou bem Frankl (1985), até mesmo o maior dos sofrimentos infligido aos prisioneiros no campo de concentração, era motivo de orgulho para aqueles que faziam daquilo um sentido de vida poderoso e enobrecedor. É o que Nietzsche (2005) sintetizou nessa frase: “ o que não nos mata, nos deixa mais fortes”.

Por fim, encerro essa breve reflexão com essas sábias palavras de Viktor Frankl (1985, p 87):

“O ser humano não é completamente condicionado e determinado; ele mesmo determina se cede aos condicionantes ou se lhes resiste. Isto é, o ser humano é auto-determitante, em última análise. Ele não simplesmente existe, mas sempre decide qual será a sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte”.

Por: João Gabriel Simões, Psicólogo

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Refêrencias:

Frankl, V. E. (1985). Em busca de sentido(W. Schlupp, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.

FEREZ, O. C. Nietzsche: Vida e Obra. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Demônios. Tradução de Paulo Bezerra e desenhos de Claudio Mubarac. São Paulo: Ed. 34, 2004. Coleção Leste.

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